Por mais estranho que possa parecer, ainda há muitas mulheres que
desconhecem a própria região genital. Com isso, elas abrem mão de explorar o
potencial de prazer de seus corpos e perdem o poder de negociar seus desejos
com os parceiros, acabando numa situação de submissão a o que o outro quer, sem
igualdade de poder com o homem na cama.
De acordo com profissionais que lidam com a intimidade das mulheres, são
muitas as que ainda têm problemas para apenas olhar a própria vulva. Com 35
anos de profissão, o ginecologista e sexólogo Eliezer Berenstein afirma que é
comum que as pacientes não encaram bem o exame de vulvoscopia. “A câmera do
equipamento permite que elas vejam a vulva e o canal vaginal, mas normalmente
elas não querem olhar. Elas têm certa repulsa”.
O ginecologista Eliano Pellini, chefe do setor de Saúde e Medicina
Sexual da Faculdade de Medicina do ABC, acredita que a maioria das mulheres
valoriza menos essa área do corpo do que as demais. “Elas precisam fazer as
unhas e cabelos toda semana. Mas ir ao ginecologista é uma vez por ano para
fazer o exame de papanicolau e olhe lá", diz Pellini. “Durante o exame,
elas dizem ‘nossa, como a vagina é feia! Por que será que os homens gostam
disso?’".
Plástica íntima
O cirurgião plástico André Colaneri, membro da Sociedade Brasileira de
Cirurgia Plástica, tem visto dobrar a quantidade de mulheres que o procuram
pedindo cirurgias íntimas. “Faço pelo menos uma por semana. Todas dizem que
não vão contar para ninguém, só para o marido ou para a mãe. Elas têm
vergonha”, diz o médico. De acordo com o especialista, a queixa geral é de
desconforto estético.
Entre as cirurgias mais procuradas está a ninfoplastia ou
labioplastia, que é a diminuição dos pequenos lábios vaginais - quando
grandes, eles ficam aparentes, como uma sobra de pele flácida que sai pela
fenda vaginal. Há também casos de gordura em excesso no monte de vênus (em
cima do púbis, região onde ficam os pelos). “Se for só gordura, faz-se uma
lipo na região. Se houver excesso de pele, é feita uma cirurgia e fica uma
cicatriz semelhante à da cesária”, diz o médico. Há também o caso de grandes
lábios flácidos. “Com o envelhecimento, é comum que a região fique com
aparência flácida. Para quem se incomoda com isso, há a possibilidade de se
enxertar gordura da própria paciente e pronto”.
Colaneri já teve que fazer algumas mulheres mudarem de ideia. “Muitas
não têm noção do que é normal. Algumas chegam dizendo que seus grande lábios
são flácidos, quando, na verdade, são normais. É preciso ter muito bom
senso”.
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A experiência de 20 anos no consultório mostra para a ginecologista e
sexóloga Glene Rodrigues que cerca de 30% das mulheres não têm muita intimidade
com sua área genital. “Elas agem como se essa parte do corpo não fosse delas.
Não encostam a mão, não querem olhar, sentem vergonha. E desse porcentual, uns
10% delas lidam de forma traumática, como se ter a vagina fosse pecado, algo
sujo”, diz Glene.
A má educação
Há muitos motivos que explicam esses sentimentos e reações negativas das
mulheres com relação à vagina. A começar pela cultura na qual o pênis é
idolatrado. “Quando um menino nasce, os pais dizem orgulhosos ‘olha o tamanho
do pênis do meu filho’. Mas você já ouviu alguém falar ‘nossa, mas minha filha
tem um clitóris lindo?’”, diz Eliezer Berenstein. Para ele, os meninos têm
também a vantagem anatômica de poder ver seu órgão. Mais que isso: eles têm
autorização para se tocar desde a infância. "O menino brinca com o pênis e
os pais, geralmente, não se importam. Acham até uma graça. Mas se a menina faz
o mesmo, logo é repreendida. Desde cedo elas entendem que é um lugar proibido”,
diz Sandra Vasques.
A relação do homem com o pênis é muito mais positiva, segundo a
psicóloga, educadora e terapeuta sexual Ana Canosa. “O pênis é objeto de
admiração e de exposição por parte dos homens. Eles gostam de verdade de seu
órgão sexual e querem que a parceira o admire também”, afirma.
Outra questão importante é a ideia de submissão da mulher. “Elas eram
condenadas a servir o homem, casar virgem, não podiam ter prazer nem mostrar o
corpo. Tudo isso acabou se refletindo no modo como tratamos a vagina”, diz Ana
Canosa. Para ela, é preciso também observar diferenças entre os apelidos dados
ao órgão genital masculino e feminino. “No caso do pênis, são usados nomes que
têm a ver com poder e força. No caso da vagina, ela ganha nomes de animais
peçonhentos ou é chamada no diminutivo com nomes como florzinha, borboletinha”,
diz.
A questão religiosa também tem peso, segundo a ginecologista e sexóloga
Glene Rodrigues. “A ideia de não poder se masturbar porque é pecado acaba transformando
essa parte do corpo em geradora de culpa. Isso pode desenvolver o sentimento de
nojo na mulher, que não vai deixar o parceiro fazer sexo oral nem tocá-la com a
mão. Ela não vai se permitir ter prazer”.
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erógenos
Vida sexual afetada
Não ter intimidade ou sentir algum tipo de repulsa pela região genital
afeta a vida sexual da mulher e, consequentemente, do casal. Assim, os jogos
sexuais que têm a ver com intimidade e exploração do corpo serão evitados para
não expor a região íntima. Para Ana Canosa, esse tipo de mulher não costuma ter
autonomia sexual por não reconhecer o próprio desejo. "Ela fica em segundo
plano, se submete ao que o outro quer. Quem vai imprimir o ritmo à relação é o
homem. Ela não terá poder de negociar o próprio prazer na relação sexual”, diz.
Outro problema é a anorgasmia, a falta de orgasmo. “A mulher que não
gosta do genital vai escondê-lo. Não vai explorá-lo ou não vai curtir sexo
oral. Que orgasmo ela vai ter? A relação fica sem graça e ela começa a não
querer transar mais, o que resulta em falta de desejo sexual”, diz Ana.
Como reverter esse quadro
O ginecologista Eliezer Berenstein costuma dar uma lição de casa para
pacientes sem intimidade com suas vaginas: que elas comecem a olhar seus
genitais com a ajuda de um espelho. “É uma forma de desmistificar a região e de
integrar essas mulheres à sua genitália. Isso ajuda a mudar o que pensam sobre
essa parte do corpo”, diz.
Em outra fase, a exploração física conta com a ajuda do parceiro. “A
ideia é que a mulher se exponha para ele, divida essa a imagem num ritual de
contemplação, porque muitos homens também desconhecem o órgão sexual feminino”,
diz Berenstein. Depois disso, a visão da mulher sobre a área costuma mudar.
“Cerca de 70% começa a achá-la bonita”, diz o médico.